29 março 2008

Última hora #12 Polícia detém auto-designado assassino da sociedade mercantil


Tudo começou quando os serviços de call center da Polícia da Ordem Pública (POP) receberam uma chamada anónima de um indivíduo que, aparentemente em pânico, alertava para um cadáver em adiantado estado de decomposição que jazia na Praça Central da capital. Quatro agentes da POP e uma ambulância deslocaram-se imediatamente para o local, onde verificaram, atónitos, que no centro da praça não havia qualquer cadáver, mas um monte de lixo, que, segundo um dos agentes, ocupava cerca de três metros quadrados. Em cima do monte de lixo estava uma enorme placa fluorescente onde se podia ler «Espectáculo». Foi então que um homem, completamente nu, com a boca coberta com um pedaço de fita gomada, se dirigiu aos agentes e, entregando-lhes um papel, lhes estendeu as mãos como que pedindo para ser algemado. No referido papel, a que tivémos acesso, estava escrito o seguinte: «Eu sou o assassino da decrépita sociedade mercantil. Tomem o que resta de humano do meu corpo e, do alto da vossa putrefacta autoridade, ditem que não posso mais viver livremente. Prendam-me e anunciem aos quatro ventos do vosso reino infame que o rebanho pode agora sossegar, que a segurança está garantida, que o perigo foi derrotado. Talvez assim fique claro que, tal como os restantes sobreviventes, não só nunca fui livre, como nunca sequer vivi. Se isso acontecer, têm boas razões para temer. Se isso acontecer, não chegarão nem os charlatães dos elixires especializados nem os servos imbecis com os seus sorrisos diligentes, para impedir que, em breve, a imundície das vossas masmorras se cubra dos poetas que transformarão o vosso poder e o dos vossos amos num vómito agonizante, que rapidamente perecerá perante o desabrochar da vida autêntica.» O homem foi detido e transportado, de imediato, para uma prisão de alta segurança onde, por esta hora, deverá estar a ser interrogado por uma equipa de psicólogos.

Lâmina #15 Tédio

Aforismo imoral #14


A um mundo onde se sobrevive de gatas, preferimos um mundo onde, entre outras coisas, se viva de gatas.

Sub-vida #11 Entrevista a um marxista-leninista que preferiu manter o anonimato


Como define o marxismo-leninismo?

Trata-me por tu, pá. Nós, no nosso Partido, tratamo-nos assim.


Ok, como defines o marxismo-leninismo?

Nós, nos estatutos do nosso Partido, definimos o marxismo-leninismo como a base ideológica do nosso Partido. Já agora, marxismo-leninismo, assim como marxista-leninista, levam sempre um hífen. Antes de publicares a entrevista, teremos que ver a versão final para confirmar que não te esqueceste do hífen. Nessa altura, também não nos esqueceremos de cortar a palavra Ok que colocaste na tua pergunta. Podes enviar a entrevista para a sede do nosso Partido, ao cuidado do Secretariado do Comité Central.


Alguns autores definem o actual estado da globalização capitalista como império e não como imperialismo. Como te posicionas relativamente a essa polémica?

Qual polémica? A comunicação social dominante, controlada pelo grande capital, gosta de alimentar polémicas estéreis para dividir o nosso Partido, mas nós sabemos bem defender-nos. Basta ler o relatório do último Congresso do nosso Partido, aprovado por 99,9786 %, para ver que não há polémica alguma. Já leste esse relatório, pá?


Já...

Tenho as minhas dúvidas... Em todo o caso, se leste, saberás que essa pergunta é um absurdo.


Achas o centralismo democrático uma forma de funcionamento adequada às actuais condições da luta?

Nós, nos estatutos do nosso Partido, definimos o centralismo democrático como a forma de funcionamento do nosso Partido. Para evitar mais perguntas básicas como essa, digo já que nós, nos estatutos do nosso Partido, nos definimos como a vanguarda da classe operária e que nós, no Programa do nosso Partido, assumimos a defesa dos interesses não só da classe operária, mas também de todos os trabalhadores, do campesinato laborioso, dos intelectuais progressistas, dos pequenos e médios empresários, dos reformados, das mulheres, dos jovens... Não me recordo se as designações destas classes e camadas sociais devem escrever-se com letra maiúscula ou não, mas não te preocupes, vou verificar e depois digo-te.


Como comentas as críticas de muitas pessoas que se reclamam de uma perspectiva revolucionária sobre o chamado «socialismo real»?

Não comento. Digo apenas que são lacaios ao serviço do grande capital e do imperialismo.


Sendo que Marx e Lenine definiam o comunismo como uma sociedade de produtores livres associados, sem hierarquias nem fronteiras, como explicas a vossa defesa intransigente do Estado e da soberania nacional?

Já leste o Programa do nosso Partido, pá?


Já...

Tenho as minhas dúvidas... Em todo o caso, se leste, saberás que essa pergunta é um absurdo.


Enquanto militante de um Partido marxista-leninista, sentes-te inteiramente livre para exprimir as tuas opiniões em quaisquer circunstâncias?

Nem vale a pena responder, esta entrevista fala por si.

Marca de baton #16