13 abril 2009

Sub-vida #12 Sondagem sobre as prioridades do primeiro-ministro recém-eleito


Sondagem promovida pelo Ministério da Cidadania Activa e pela Sondex, SA, realizada entre os dias tal e tal, a visitantes do Centro Comercial Central escolhidos ao acaso.

Que animal doméstico deve o primeiro-ministro ter na sua residência oficial?
Lontra – 27%
Orangotango – 18%
Pelicano – 17%
Furão – 33%
Ns/Nr – 5%

O primeiro-ministro deve aceitar ser filmado por câmaras televisivas quando fizer amor com a esposa?
Sim – 42%
Sim, só no início – 7%
Sim, sem exposição dos órgãos genitais – 14%
Não – 28%
Ns/Nr – 9%

Quantas vezes por mês deve o primeiro-ministro cortar as unhas dos pés?
Uma – 15%
Duas – 37%
Três – 34%
Quatro – 10%
Ns/Nr – 4%

De que cor deve ser a maçaneta da porta do gabinete do primeiro-ministro?
Amarela – 53%
Lilás – 11%
Castanha – 26%
Branca – 8%
Ns/Nr – 2%

Quantas vezes por dia deve o primeiro-ministro contar até dez?
Uma – 9%
Sete – 45%
Treze – 21%
Vinte e sete – 20%
Ns/Nr – 5%

25 março 2009

Lâmina #17 General Rabbitheory

Última hora #13 Bonecas Spix retiradas do mercado



No seguimento de uma directiva do Ministério da Manutenção dos Costumes (MMC), enviada ontem ao final do dia às administrações de todas as grandes superfícies comerciais, começou hoje a ser retirada do mercado a mais recente colecção de bonecas da conhecida marca Spix. Razões de ordem moral estiveram na origem desta decisão do MMC. As roupas ousadas das bonecas, assim como o slogan «Vê-a sorrir depois de engolir» que acompanhava a campanha publicitária, parecem ter perturbado a hierarquia do ministério e motivaram mesmo uma reacção de repúdio por parte das autoridades eclesiásticas. De acordo com a directiva, «o conteúdo sexualmente explícito das bonecas é incompatível com os valores da boa formação moral e cívica que uma sociedade moderna deve às suas crianças, especialmente as do sexo feminino […] É obrigação dos poderes públicos tudo fazerem para preservar num nível elevado os valores que enformam a nossa grandiosa nação». Com a supervisão da APE (Autoridade para a Preservação Económica) e da POP (Polícia da Ordem Pública), não se registou qualquer anomalia na mega-operação montada a partir das primeiras horas do dia de hoje para proceder à retirada das bonecas das grandes superfícies. Segundo um administrador da empresa que produz as bonecas Spix, que preferiu manter o anonimato, «recebemos a directiva com serenidade. Compreendemos as preocupações do MMC e, como sempre, manifestamos toda a disponibilidade para colaborar com o governo na preservação dos bons valores morais e éticos». De acordo com informações ainda não confirmadas vindas de fonte próxima do ministério, o governo financiará o prejuízo causado à empresa que produz as bonecas e também às grandes superfícies comerciais. Ainda segundo a mesma fonte, «com a turbulência que tem vindo a verificar-se nos mercados financeiros, não podemos assumir o risco sistémico que constituiria uma redução substancial dos lucros das empresas que sustentam a nossa economia». Entretanto, o Ministério da Educação Nacional (MEN) anunciou o adiamento da visita de estudo nacional dos estudantes do ensino básico às grandes superfícies comerciais, agendada para a próxima semana.

19 março 2009

Desconstrução #13 O discreto charme da Ilha dos Coelhinhos


Espantou-se com a estridência da campainha que inundava o espaço exíguo como uma espécie de gás tónico. O sinal estava dado. Daí em diante, estaria por sua conta. Viveria. Voaria. Viveria.

Voou. Inicialmente, começou por tentar pisar dois riscos. Passar feliz além, ficar conformado aquém. Escorregou. Nem sempre é fácil identificar a fronteira entre os efeitos de certos poderes mágicos e a normalidade do outro com que surgimos aos nós dos outros. O primeiro risco deslizou delicadamente. De vez em quando, olhava para trás e parecia lamentar: «Podia a Primavera ter sido Verão, mas as noites tomam-nos com uma tal crueldade que, por excesso, nos torna riscos. Pouco interessa a eventual coragem dos justos. Por isso, somos riscos. Talvez volte a olhar por cima do ombro, a lamentar, mas será tarde». Foi tarde.

No mundo que cada um de nós é, há um lugar bastante alto em que vemos tudo. Só aí percebemos a beleza estranha da luz natural das estrelas. Teria sido fácil. Demasiado fácil. Bastariam, afinal, dois segredos de acrílico, dois olhares de látex, duas gotas de sangue. Discreto: q.b.

Espantou-se com a exiguidade da campainha que inundava o espaço estridente como uma espécie de poeira tóxica. O sinal estava, previamente, dado. Daí para trás, estivera por sua conta. Vivera. Voaria. Sobreviveria.

Voltará a tocar tambor? Talvez. Quem sabe se alguma daquelas pessoas se cansou de esperar pelo autocarro…

Lâmina #16 McStalin's * i'm freezin' it

Aforismo imoral #15


A ocupação do deserto que cresce sem cessar à nossa volta não pode ser senão a força negativa do singular, antagonista da massa supostamente neutra do fetiche. O singular só será força negativa se se constituir, em si e para si, como prática social total.

29 março 2008

Última hora #12 Polícia detém auto-designado assassino da sociedade mercantil


Tudo começou quando os serviços de call center da Polícia da Ordem Pública (POP) receberam uma chamada anónima de um indivíduo que, aparentemente em pânico, alertava para um cadáver em adiantado estado de decomposição que jazia na Praça Central da capital. Quatro agentes da POP e uma ambulância deslocaram-se imediatamente para o local, onde verificaram, atónitos, que no centro da praça não havia qualquer cadáver, mas um monte de lixo, que, segundo um dos agentes, ocupava cerca de três metros quadrados. Em cima do monte de lixo estava uma enorme placa fluorescente onde se podia ler «Espectáculo». Foi então que um homem, completamente nu, com a boca coberta com um pedaço de fita gomada, se dirigiu aos agentes e, entregando-lhes um papel, lhes estendeu as mãos como que pedindo para ser algemado. No referido papel, a que tivémos acesso, estava escrito o seguinte: «Eu sou o assassino da decrépita sociedade mercantil. Tomem o que resta de humano do meu corpo e, do alto da vossa putrefacta autoridade, ditem que não posso mais viver livremente. Prendam-me e anunciem aos quatro ventos do vosso reino infame que o rebanho pode agora sossegar, que a segurança está garantida, que o perigo foi derrotado. Talvez assim fique claro que, tal como os restantes sobreviventes, não só nunca fui livre, como nunca sequer vivi. Se isso acontecer, têm boas razões para temer. Se isso acontecer, não chegarão nem os charlatães dos elixires especializados nem os servos imbecis com os seus sorrisos diligentes, para impedir que, em breve, a imundície das vossas masmorras se cubra dos poetas que transformarão o vosso poder e o dos vossos amos num vómito agonizante, que rapidamente perecerá perante o desabrochar da vida autêntica.» O homem foi detido e transportado, de imediato, para uma prisão de alta segurança onde, por esta hora, deverá estar a ser interrogado por uma equipa de psicólogos.

Lâmina #15 Tédio

Aforismo imoral #14


A um mundo onde se sobrevive de gatas, preferimos um mundo onde, entre outras coisas, se viva de gatas.

Sub-vida #11 Entrevista a um marxista-leninista que preferiu manter o anonimato


Como define o marxismo-leninismo?

Trata-me por tu, pá. Nós, no nosso Partido, tratamo-nos assim.


Ok, como defines o marxismo-leninismo?

Nós, nos estatutos do nosso Partido, definimos o marxismo-leninismo como a base ideológica do nosso Partido. Já agora, marxismo-leninismo, assim como marxista-leninista, levam sempre um hífen. Antes de publicares a entrevista, teremos que ver a versão final para confirmar que não te esqueceste do hífen. Nessa altura, também não nos esqueceremos de cortar a palavra Ok que colocaste na tua pergunta. Podes enviar a entrevista para a sede do nosso Partido, ao cuidado do Secretariado do Comité Central.


Alguns autores definem o actual estado da globalização capitalista como império e não como imperialismo. Como te posicionas relativamente a essa polémica?

Qual polémica? A comunicação social dominante, controlada pelo grande capital, gosta de alimentar polémicas estéreis para dividir o nosso Partido, mas nós sabemos bem defender-nos. Basta ler o relatório do último Congresso do nosso Partido, aprovado por 99,9786 %, para ver que não há polémica alguma. Já leste esse relatório, pá?


Já...

Tenho as minhas dúvidas... Em todo o caso, se leste, saberás que essa pergunta é um absurdo.


Achas o centralismo democrático uma forma de funcionamento adequada às actuais condições da luta?

Nós, nos estatutos do nosso Partido, definimos o centralismo democrático como a forma de funcionamento do nosso Partido. Para evitar mais perguntas básicas como essa, digo já que nós, nos estatutos do nosso Partido, nos definimos como a vanguarda da classe operária e que nós, no Programa do nosso Partido, assumimos a defesa dos interesses não só da classe operária, mas também de todos os trabalhadores, do campesinato laborioso, dos intelectuais progressistas, dos pequenos e médios empresários, dos reformados, das mulheres, dos jovens... Não me recordo se as designações destas classes e camadas sociais devem escrever-se com letra maiúscula ou não, mas não te preocupes, vou verificar e depois digo-te.


Como comentas as críticas de muitas pessoas que se reclamam de uma perspectiva revolucionária sobre o chamado «socialismo real»?

Não comento. Digo apenas que são lacaios ao serviço do grande capital e do imperialismo.


Sendo que Marx e Lenine definiam o comunismo como uma sociedade de produtores livres associados, sem hierarquias nem fronteiras, como explicas a vossa defesa intransigente do Estado e da soberania nacional?

Já leste o Programa do nosso Partido, pá?


Já...

Tenho as minhas dúvidas... Em todo o caso, se leste, saberás que essa pergunta é um absurdo.


Enquanto militante de um Partido marxista-leninista, sentes-te inteiramente livre para exprimir as tuas opiniões em quaisquer circunstâncias?

Nem vale a pena responder, esta entrevista fala por si.

Marca de baton #16

23 fevereiro 2008

Lâmina #14 Pop us all, Debbie

Desconstrução #12 Em uníssono com J.


Lembro-me do que me disse há uns dias: há uns anos tentara matar-se. Lembrei-me há uns dias, quando me disse que há uns anos tantara matar-se, que nunca senti um desejo tão forte que me levasse a desistir de matar-me. Talvez porque, na verdade, nunca quis matar-me. Ou então porque os desejos aparecem-me e desaparecem-me e saltam-me das mãos. Sou como uma espécie de fraqueza orgânica. Faltam a pessoas como eu dois géneros de coragem: decidir não viver para viver e, tendo decidindo morrer, desistir de morrer para viver, para viver vivendo.


A espaços penso nas páginas em branco e esqueço-me do som das letras que passam e voltam.

Aforismo imoral #13


As fronteiras que separam os sobreviventes uns dos outros são apenas linhas transparentes resdesenhadas incessantemente por velhas esferográficas gastas.

Marca de baton #15

02 fevereiro 2008

Última hora #11 Funcionários de hipermercado detidos por calçarem meias amarelas


Mais de uma dúzia de funcionários do hipermercado Happymarket foram hoje detidos pela APE (Autoridade para a Preservação Económica), por, alegadamente, terem desrespeitado a nova Lei do Calçado, que proibe o uso de meias amarelas em espaços fechados. A APE tem, nos últimos dias, vindo a inspeccionar um conjunto de grandes superfícies, numa operação conjunta com o corpo de intervenção da Polícia dos Costumes, designada Operação Alfa Voador. Os inspectores da APE chegaram às instalações do Happymarket, juntamente com os agentes policiais, por volta das 9h30 e, em conferência de imprensa convocada para as 11h, apresentaram os resultados da vistoria. «Foram detidos 13 prevaricadores, que serão presentes ainda hoje a tribunal», referiu o Inspector-Chefe que conduziu as operações. O Presidente da cadeia de hipermercados veio, entretanto, a público afirmar a sua satisfação por «ter sido detido um número tão reduzido de funcionários, o que prova que os serviços de pessoal da Happymarket estão atentos e, pela sua parte, continuarão a fazer todos os esforços para assegurar que os seus funcionários cumprem com zelo as leis do Estado.» Por seu turno, o líder do STGSA (Sindicato dos Trabalhadores das Grandes Superfícies e Afins) disse que irá propor a anulação de qualquer decisão judicial que venha a prejudicar os trabalhadores detidos, na medida em que, «de acordo com a opinião de reputados juristas, esta disposição da Lei do Calçado não se aplica em espaços onde é permitida a utilização de luvas de borracha vermelhas, como é o caso dos hipermercados.»

Nos termos da referida Lei, está proibido o uso de meias amarelas em espaços fechados, a não ser que as peúgas que tenham uma lista verde 2 cm acima dos dedos e sejam da marca Footlogic. Assim, os funcionários detidos incorrem agora numa pena de prisão que pode ir até um ano.

12 janeiro 2008

Lâmina #13 All you need is Lovelace

Sub-vida #10 Entrevista com um segurança privado do Centro Comercial Central, após detenção de suspeito de actividades terroristas



Pode contar-nos como tudo se passou?
Sim. Eram 9h. O dia começava como habitual. As lojas estavam a abrir e os primeiros clientes iam chegando. Eu, que hoje estava de turno aos Wcs, vi um indivíduo de pele um pouco escura, com barba, entrar no lavabo dos homens. Como achei estranho aquele comportamento, fiquei atento. Como, passados 10 minutos, o indivíduo não saía, resolvi alertar a central da segurança e entrei no WC.

E depois?
Não vi ninguém. Espreitei por baixo das portas dos sanitários e percebi que o suspeito se encontrava num deles. Bati à porta e exigi que abrisse imediatamente. Como não obtive resposta e, entretanto, haviam chegado os meus colegas, arrombámos de imediato a porta.

Era o indivíduo de pele um pouco escura, com barba, que lá estava?
Era. Estava deitado no chão a fingir-se de morto. Conseguiu, inclusivamente, suster a respiração, arrefecer a temperatura do corpo e manter os olhos abertos sem piscar... Vimos logo que se tratava de uma manobra de diversão e abanámo-lo vigorosamente. Mesmo assim não reagiu. Era, claramente, um profissional. Eu já tinha ouvido dizer que estas pessoas se treinam para isto desde a infância, lá na terra deles.

O que aconteceu a seguir?
Não mexemos mais no indivíduo e démos uma ordem interna para que se evacuasse o edifício e se encerrasse as portas até novas indicações. Chamámos a polícia, que entretanto chegou e levou o homem.

29 dezembro 2007

Na senda do progresso e da inovação


A interrupção por umas semanas da actividade do Cabaret Volteire provocou grande agitação nos mercados de capitais e nos principais meios do aparato mediático. Assim, e procurando reassumir o papel que lhe é devido no palco principal da cultura moderna, este espaço não só vai retomar a sua produção, como vai, nos próximos tempos, sofrer algumas profundas mas progessivas alterações, quer no aspecto quer no conteúdo. A partir de agora, à semelhança da secção Lâmina, todos os textos publicados serão acompanhados por imagens produzidas por Nancy Matta-Clark, utilizando ora a técnica do desvio ora a criação de raiz. A única excepção será a secção Marca de Baton, que continuará a publicar imagens recolhidas no fabuloso mundo do ciber-espaço. Todas os textos publicados até agora terão as imagens que lhes estão associadas progressivamente substituídas por novas.

Está, igualmente, a ser objecto de exame rigoroso, por parte do colectivo do Cabaret Voltaire, a integração de nov@s autor@s na equipa e a criação de novas secções. As novidades serão, em tempo útil, divulgadas.

Mais uma vez, com estas medidas, o Cabaret Voltaire, como é seu timbre, posiciona-se na linha da frente do progresso e da inovação.

NM#NG#RM