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25 março 2009
Última hora #13 Bonecas Spix retiradas do mercado
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No seguimento de uma directiva do Ministério da Manutenção dos Costumes (MMC), enviada ontem ao final do dia às administrações de todas as grandes superfícies comerciais, começou hoje a ser retirada do mercado a mais recente colecção de bonecas da conhecida marca Spix. Razões de ordem moral estiveram na origem desta decisão do MMC. As roupas ousadas das bonecas, assim como o slogan «Vê-a sorrir depois de engolir» que acompanhava a campanha publicitária, parecem ter perturbado a hierarquia do ministério e motivaram mesmo uma reacção de repúdio por parte das autoridades eclesiásticas. De acordo com a directiva, «o conteúdo sexualmente explícito das bonecas é incompatível com os valores da boa formação moral e cívica que uma sociedade moderna deve às suas crianças, especialmente as do sexo feminino […] É obrigação dos poderes públicos tudo fazerem para preservar num nível elevado os valores que enformam a nossa grandiosa nação». Com a supervisão da APE (Autoridade para a Preservação Económica) e da POP (Polícia da Ordem Pública), não se registou qualquer anomalia na mega-operação montada a partir das primeiras horas do dia de hoje para proceder à retirada das bonecas das grandes superfícies. Segundo um administrador da empresa que produz as bonecas Spix, que preferiu manter o anonimato, «recebemos a directiva com serenidade. Compreendemos as preocupações do MMC e, como sempre, manifestamos toda a disponibilidade para colaborar com o governo na preservação dos bons valores morais e éticos». De acordo com informações ainda não confirmadas vindas de fonte próxima do ministério, o governo financiará o prejuízo causado à empresa que produz as bonecas e também às grandes superfícies comerciais. Ainda segundo a mesma fonte, «com a turbulência que tem vindo a verificar-se nos mercados financeiros, não podemos assumir o risco sistémico que constituiria uma redução substancial dos lucros das empresas que sustentam a nossa economia». Entretanto, o Ministério da Educação Nacional (MEN) anunciou o adiamento da visita de estudo nacional dos estudantes do ensino básico às grandes superfícies comerciais, agendada para a próxima semana.
19 março 2009
Desconstrução #13 O discreto charme da Ilha dos Coelhinhos
Espantou-se com a estridência da campainha que inundava o espaço exíguo como uma espécie de gás tónico. O sinal estava dado. Daí em diante, estaria por sua conta. Viveria. Voaria. Viveria.
Voou. Inicialmente, começou por tentar pisar dois riscos. Passar feliz além, ficar conformado aquém. Escorregou. Nem sempre é fácil identificar a fronteira entre os efeitos de certos poderes mágicos e a normalidade do outro com que surgimos aos nós dos outros. O primeiro risco deslizou delicadamente. De vez em quando, olhava para trás e parecia lamentar: «Podia a Primavera ter sido Verão, mas as noites tomam-nos com uma tal crueldade que, por excesso, nos torna riscos. Pouco interessa a eventual coragem dos justos. Por isso, somos riscos. Talvez volte a olhar por cima do ombro, a lamentar, mas será tarde». Foi tarde.
No mundo que cada um de nós é, há um lugar bastante alto em que vemos tudo. Só aí percebemos a beleza estranha da luz natural das estrelas. Teria sido fácil. Demasiado fácil. Bastariam, afinal, dois segredos de acrílico, dois olhares de látex, duas gotas de sangue. Discreto: q.b.
Espantou-se com a exiguidade da campainha que inundava o espaço estridente como uma espécie de poeira tóxica. O sinal estava, previamente, dado. Daí para trás, estivera por sua conta. Vivera. Voaria. Sobreviveria.
Voltará a tocar tambor? Talvez. Quem sabe se alguma daquelas pessoas se cansou de esperar pelo autocarro…