29 março 2008

Sub-vida #11 Entrevista a um marxista-leninista que preferiu manter o anonimato


Como define o marxismo-leninismo?

Trata-me por tu, pá. Nós, no nosso Partido, tratamo-nos assim.


Ok, como defines o marxismo-leninismo?

Nós, nos estatutos do nosso Partido, definimos o marxismo-leninismo como a base ideológica do nosso Partido. Já agora, marxismo-leninismo, assim como marxista-leninista, levam sempre um hífen. Antes de publicares a entrevista, teremos que ver a versão final para confirmar que não te esqueceste do hífen. Nessa altura, também não nos esqueceremos de cortar a palavra Ok que colocaste na tua pergunta. Podes enviar a entrevista para a sede do nosso Partido, ao cuidado do Secretariado do Comité Central.


Alguns autores definem o actual estado da globalização capitalista como império e não como imperialismo. Como te posicionas relativamente a essa polémica?

Qual polémica? A comunicação social dominante, controlada pelo grande capital, gosta de alimentar polémicas estéreis para dividir o nosso Partido, mas nós sabemos bem defender-nos. Basta ler o relatório do último Congresso do nosso Partido, aprovado por 99,9786 %, para ver que não há polémica alguma. Já leste esse relatório, pá?


Já...

Tenho as minhas dúvidas... Em todo o caso, se leste, saberás que essa pergunta é um absurdo.


Achas o centralismo democrático uma forma de funcionamento adequada às actuais condições da luta?

Nós, nos estatutos do nosso Partido, definimos o centralismo democrático como a forma de funcionamento do nosso Partido. Para evitar mais perguntas básicas como essa, digo já que nós, nos estatutos do nosso Partido, nos definimos como a vanguarda da classe operária e que nós, no Programa do nosso Partido, assumimos a defesa dos interesses não só da classe operária, mas também de todos os trabalhadores, do campesinato laborioso, dos intelectuais progressistas, dos pequenos e médios empresários, dos reformados, das mulheres, dos jovens... Não me recordo se as designações destas classes e camadas sociais devem escrever-se com letra maiúscula ou não, mas não te preocupes, vou verificar e depois digo-te.


Como comentas as críticas de muitas pessoas que se reclamam de uma perspectiva revolucionária sobre o chamado «socialismo real»?

Não comento. Digo apenas que são lacaios ao serviço do grande capital e do imperialismo.


Sendo que Marx e Lenine definiam o comunismo como uma sociedade de produtores livres associados, sem hierarquias nem fronteiras, como explicas a vossa defesa intransigente do Estado e da soberania nacional?

Já leste o Programa do nosso Partido, pá?


Já...

Tenho as minhas dúvidas... Em todo o caso, se leste, saberás que essa pergunta é um absurdo.


Enquanto militante de um Partido marxista-leninista, sentes-te inteiramente livre para exprimir as tuas opiniões em quaisquer circunstâncias?

Nem vale a pena responder, esta entrevista fala por si.

Marca de baton #16

23 fevereiro 2008

Lâmina #14 Pop us all, Debbie

Desconstrução #12 Em uníssono com J.


Lembro-me do que me disse há uns dias: há uns anos tentara matar-se. Lembrei-me há uns dias, quando me disse que há uns anos tantara matar-se, que nunca senti um desejo tão forte que me levasse a desistir de matar-me. Talvez porque, na verdade, nunca quis matar-me. Ou então porque os desejos aparecem-me e desaparecem-me e saltam-me das mãos. Sou como uma espécie de fraqueza orgânica. Faltam a pessoas como eu dois géneros de coragem: decidir não viver para viver e, tendo decidindo morrer, desistir de morrer para viver, para viver vivendo.


A espaços penso nas páginas em branco e esqueço-me do som das letras que passam e voltam.

Aforismo imoral #13


As fronteiras que separam os sobreviventes uns dos outros são apenas linhas transparentes resdesenhadas incessantemente por velhas esferográficas gastas.

Marca de baton #15

02 fevereiro 2008

Última hora #11 Funcionários de hipermercado detidos por calçarem meias amarelas


Mais de uma dúzia de funcionários do hipermercado Happymarket foram hoje detidos pela APE (Autoridade para a Preservação Económica), por, alegadamente, terem desrespeitado a nova Lei do Calçado, que proibe o uso de meias amarelas em espaços fechados. A APE tem, nos últimos dias, vindo a inspeccionar um conjunto de grandes superfícies, numa operação conjunta com o corpo de intervenção da Polícia dos Costumes, designada Operação Alfa Voador. Os inspectores da APE chegaram às instalações do Happymarket, juntamente com os agentes policiais, por volta das 9h30 e, em conferência de imprensa convocada para as 11h, apresentaram os resultados da vistoria. «Foram detidos 13 prevaricadores, que serão presentes ainda hoje a tribunal», referiu o Inspector-Chefe que conduziu as operações. O Presidente da cadeia de hipermercados veio, entretanto, a público afirmar a sua satisfação por «ter sido detido um número tão reduzido de funcionários, o que prova que os serviços de pessoal da Happymarket estão atentos e, pela sua parte, continuarão a fazer todos os esforços para assegurar que os seus funcionários cumprem com zelo as leis do Estado.» Por seu turno, o líder do STGSA (Sindicato dos Trabalhadores das Grandes Superfícies e Afins) disse que irá propor a anulação de qualquer decisão judicial que venha a prejudicar os trabalhadores detidos, na medida em que, «de acordo com a opinião de reputados juristas, esta disposição da Lei do Calçado não se aplica em espaços onde é permitida a utilização de luvas de borracha vermelhas, como é o caso dos hipermercados.»

Nos termos da referida Lei, está proibido o uso de meias amarelas em espaços fechados, a não ser que as peúgas que tenham uma lista verde 2 cm acima dos dedos e sejam da marca Footlogic. Assim, os funcionários detidos incorrem agora numa pena de prisão que pode ir até um ano.

12 janeiro 2008

Lâmina #13 All you need is Lovelace

Sub-vida #10 Entrevista com um segurança privado do Centro Comercial Central, após detenção de suspeito de actividades terroristas



Pode contar-nos como tudo se passou?
Sim. Eram 9h. O dia começava como habitual. As lojas estavam a abrir e os primeiros clientes iam chegando. Eu, que hoje estava de turno aos Wcs, vi um indivíduo de pele um pouco escura, com barba, entrar no lavabo dos homens. Como achei estranho aquele comportamento, fiquei atento. Como, passados 10 minutos, o indivíduo não saía, resolvi alertar a central da segurança e entrei no WC.

E depois?
Não vi ninguém. Espreitei por baixo das portas dos sanitários e percebi que o suspeito se encontrava num deles. Bati à porta e exigi que abrisse imediatamente. Como não obtive resposta e, entretanto, haviam chegado os meus colegas, arrombámos de imediato a porta.

Era o indivíduo de pele um pouco escura, com barba, que lá estava?
Era. Estava deitado no chão a fingir-se de morto. Conseguiu, inclusivamente, suster a respiração, arrefecer a temperatura do corpo e manter os olhos abertos sem piscar... Vimos logo que se tratava de uma manobra de diversão e abanámo-lo vigorosamente. Mesmo assim não reagiu. Era, claramente, um profissional. Eu já tinha ouvido dizer que estas pessoas se treinam para isto desde a infância, lá na terra deles.

O que aconteceu a seguir?
Não mexemos mais no indivíduo e démos uma ordem interna para que se evacuasse o edifício e se encerrasse as portas até novas indicações. Chamámos a polícia, que entretanto chegou e levou o homem.

29 dezembro 2007

Na senda do progresso e da inovação


A interrupção por umas semanas da actividade do Cabaret Volteire provocou grande agitação nos mercados de capitais e nos principais meios do aparato mediático. Assim, e procurando reassumir o papel que lhe é devido no palco principal da cultura moderna, este espaço não só vai retomar a sua produção, como vai, nos próximos tempos, sofrer algumas profundas mas progessivas alterações, quer no aspecto quer no conteúdo. A partir de agora, à semelhança da secção Lâmina, todos os textos publicados serão acompanhados por imagens produzidas por Nancy Matta-Clark, utilizando ora a técnica do desvio ora a criação de raiz. A única excepção será a secção Marca de Baton, que continuará a publicar imagens recolhidas no fabuloso mundo do ciber-espaço. Todas os textos publicados até agora terão as imagens que lhes estão associadas progressivamente substituídas por novas.

Está, igualmente, a ser objecto de exame rigoroso, por parte do colectivo do Cabaret Voltaire, a integração de nov@s autor@s na equipa e a criação de novas secções. As novidades serão, em tempo útil, divulgadas.

Mais uma vez, com estas medidas, o Cabaret Voltaire, como é seu timbre, posiciona-se na linha da frente do progresso e da inovação.

NM#NG#RM

07 novembro 2007

Desconstrução #11 When Sir Plus met Miss Treated


When Sir Plus met Miss Treated he told her:

- Survive to my command.

- Nice to meet you Sir Vive...

- Give me your living days and I'll provide you happiness in a remote control.

Dance with Miss Tycal, run to the future in a flying carpet. Flying car pet kitty kat.

Try it hard and be human. Pretend to be you man.

Keep the surface clean, smile to the camera.

- Nice to meet you Sir Veillance...

- Fear no more, culture is all around.

Life is success, survive is suck Cess.

Oh mighty good friend I am.

- Almighty good Lord you are.

30 outubro 2007

Última hora #10 Sabotagem do sistema de vigilância provoca prejuízo de milhões no Centro Comercial Central


É a notícia que marca a actualidade informativa: o sistema de vigilância da maior superfície comercial da capital, o Centro Comercial Central, foi atacado por um vírus informático, impedindo o seu funcionamento durante todo o fim-de-semana. O encerramento forçado do Centro Comercial Central provocou um prejuízo de vários milhões e lançou o caos no mercado de capitais. Hoje, ao início da manhã, a Bolsa de Valores iniciou a sua sessão inundada de ordens de venda de acções das diversas lojas que compõem o Centro Comercial Central, o que levou a que alguns títulos depreciassem a tal ponto, que já se fala em eventuais processos de falência. A Administração do Centro Comercial Central divulgou um comunicado em que apela «à serenidade» e afrma que «agora que o sistema de vigilância foi susbtituído, a situação está a regressar à normalidade.» Entretanto, o Governo já disponibilizou uma linha de financiamento a fundo perdido às lojas em risco de encerramento, de modo a assegurar os objectivos económicos do país para este ano e a evitar a liquidação de postos de trabalho.

22 outubro 2007

Aforismo imoral #12


Nas margens das cidades cinzentas há sempre uma auto-estrada sem limite de velocidade, em cujas bermas a erva não cessa de crescer.

08 outubro 2007

Última hora #9 1.º Ministro apanhado nas malhas da justiça


Segundo foi divulgado à imprensa, o 1.º Ministro foi apanhado por uma equipa da APE (Autoridade para a Preservação Económica) com os atacadores desapertados. Ao que consta, já há algum tempo que o 1.º Ministro vinha demonstrando algum desleixo com os seus atacadores. Ontem ao final da tarde, foi apanhado em flagrante, quando saía da sua residência oficial para se dirigir para uma reunião do Partido. Ainda que, inicialmente, o 1.º Ministro tenha tentado disfarçar, alegando que tinha um dos atacadores danificado e que, antes de chegar à sede do Partido, passaria por uma retrosaria para comprar uns novos, o governante acabou por confessar o seus desleixo, nos calabouços da Polícia Nacional (PN), após 4 horas e meia de interrogatório. Depois de, já de madrugada, ter saído do edifício da PN, o 1.º Ministro reuniu-se com a sua equipa de assessores, que o terá aconselhado a colocar, para já, de parte a hipótese de resignação do cargo. Hoje à tarde, o chefe do Governo fará uma comunicação ao país, onde pedirá desculpa pelo sucedido. As sondagens da próxima semana determinarão o que fazer a seguir. Tendo sido libertado sob caução, o 1.º Ministro será presente a tribunal e incorre num pena até 3 semanas de trabalho patriótico.

Desconstrução #10 Encontro com Viktor Logic



De vez em quando, passa-me pela cabeça uma lenga-lenga assim: é frequente Viktor Logic dizer assim: é frequente Viktor Logic pensar assim: é frequente Viktor Logic sonhar com pessoas que constróem escadas de papel que chegam a todo o lado. Viktor Logic, se existe não sei, mas como há um assaltante de bancos que é meu vizinho, acho que pode perfeitamente chamar-se assim. Viktor Logic é nome de assaltante de bancos.

Ele encontrou-me na rua e perguntou-me se gostaria de lhe escrever um recado num post-it cor-de-laranja. Por que não? Convidou-me para jantar e disse que logo levaria o post-it e que não me esquecesse da caneta. Ok, combinado. Às tantas horas em tal parte.

Gosto de meias de rede, por causa das marcas que deixam no meio da coxa.

A pontualidade estraga o clima. Não vale a pena evitar os saltos altos.

Jantámos num restaurante proto-chique, em tal parte, daqueles que têm uma passagem secreta por baixo de cada mesa. O post-it cor-de-laranja em branco, desafiador, por cima do guardanapo de pano. Escrevi assim:

«O maior perigo é a câmara que está colocada do lado direito de quem entra, apontada para a porta e que apanha toda a parede a partir dos 60cm. Tens que passar de gatas, à entrada e à saída. O resto é canja, sabes fazê-lo melhor que a minha melhor instrução. Privilegia as notas, não fazem barulho. Não te esqueças de verificar o estado dos bolsos. No final, desces a escada de papel a seguir ao 5.º candeeiro. Quando chegares apaga a luz. Não te demores, hoje pus as meias de rede, aquelas que deixam marcas no meio da coxa.

Beijo.

Da tua,

R.»

Acabámos de jantar e saímos pela passagem secreta da nossa mesa.

Chegou cedo. Apagou a luz.

Sub-vida #9 Entrevista com o vencedor do concurso televisivo «Cantar na Nossa Língua»



E agora, como é que vai ser a sua vida a partir de hoje?
Ainda não sei. Sinto que trabalhei muito e penso que, embora possa parecer injusto para com os meus colegas concorrentes, mereci esta vitória. Agora que o público já conhece o meu valor, quero gravar o meu disco e construir a minha carreira.

Acha que esta espécie de concursos televisivos estimula mais pessoas a ouvir e fazer música?
Sim. Sinto que trabalhei muito e penso que, embora possa parecer injusto para com os meus colegas concorrentes, mereci esta vitória. Este concurso demonstra que a TVN (Televisão Nacional) está empenhada na promoção da cultura entre a nossa juventude e o nosso povo. Se não fosse o «Cantar na Nossa Língua», nuca teria tido a hipótese de ser famoso nem de construir uma carreira de cantor.

Pensa que o facto de o concurso ter aceite apenas canções cantadas na nossa língua, o limitou de alguma maneira?
Não. Sinto que trabalhei muito e penso que, embora possa parecer injusto para com os meus colegas concorrentes, mereci esta vitória. A nossa língua é um dos traços principais da nossa cultura. Há que fazer todo o esforço para preservá-la e para combater a tendência em voga entre muitos artistas nacionais de cantar em línguas estrangeiras. A nossa cultura e a nossa identidade nacional são o que de mais importante temos.

No seu disco vai cantar canções originais ou vai continuar, como no concurso, a preferir versões de temas conhecidos?
Para já vou continuar com as versões. Sinto que trabalhei muito e penso que, embora possa parecer injusto para com os meus colegas concorrentes, mereci esta vitória. A fórmula até agora resultou e não vale a pena arriscar. Talvez um dia, quando a minha carreira já for sólida, eu pense em trabalhar canções originais.