
25 setembro 2007
23 setembro 2007
Teses sobre o imprevisível
1 – Toda a história é a história da construção do imprevisível.
2 – O primeiro átomo do imprevisível é a desconstrução da aparência, ou seja, a descodificação do previsível. Este é o terreno da tecla shift, do desvio-padrão, onde a força é fragilidade em acto e a massa é acidez em potência. Os estabilizadores de energia nada podem contra o curto-circuito.
3 – O real é o código binário, a linguagem-máquina a rodar em loops caleidoscópicos. A aparência é o real tornado interface intuitivo; é a simplificação complexa tornada complexidade simplificada, ou, mais simplesmente, cultura dominante.
4 – A derrota histórica dos projectos de superação do previsível acontece no preciso momento em que colocam como hipótese a transição para um novo sistema operativo programado em código fechado. O reboot, porventura imprevisível acto fundador, completa-se rapidamente, retomando o ciclo virtuoso do tédio e da violência, ou, mais simplesmente, da cultura dominante.
5 – Mais do que a invasão do palco, o princípio do fim do previsível é a destruição da plateia. O amontoado caótico das cadeiras, retira sentido ao palco; transforma-o num decadente cemitério de tribunas, ceptros e panteões. Pode, então, fechar-se a cortina de ferro e a vida verdadeiramente vivida começar.
NM#NG#RM
17 setembro 2007
16 setembro 2007
Desconstrução #9 Se ao menos…

Quanto ao resto, não há enganos possíveis: as mais das vezes imaginar que se morre, entrar, trocar, deixar de se ser; uma parte das vezes que sobram desejar, entrar, trocar, parecer que se é; a outra parte das vezes que sobram sentar, fixar, trocar, imaginar que se é. Se ao menos as pilhas falhassem…
Para trás fica o andar pesaroso da estratégia sindical, feita desfile alegórico, preenchendo o baixo relevo do cimento armado, tornando-o liso, logo lógico. Se ao menos a erva não crescesse selvagem…
13 setembro 2007
Última hora #8 Hamburguers falsos apreendidos

Numa mega-operação coordenada com a Polícia de Intervenção, a Autoridade para a Preservação Económica (APE) apreendeu ontem cerca de 25.000 hamburguers contrafeitos, que seriam vendidos durante o fim de semana em diversas feiras de venda ambulante da região da capital do país. A APE desmantelou o laboratório onde era feita a confecção e deteve 7 indivíduos, cuja origem étnica não foi revelada, que controlavam a rede. Os hamburguers eram confeccionados com carne de vaca verdadeira, colocados em embalagens falsificadas da cadeia de restaurantes McMickey's e, posteriormente, vendidos e metade do preço real nas feiras. Os indivíduos detidos estão agora sujeitos a penas que vão até aos 20 anos de cadeia.
07 setembro 2007
05 setembro 2007
Sub-vida #8 Discurso do Ministro da Manutenção dos Costumes na apresentação do novo Kit Vida Saudável

É com muita honra e satisfação que aqui apresento, em nome do Governo, o mais recente resultado de uma frutuosa parceria público-privada, que, durante a presente legislatura tem envolvido técnicos e especialistas do Ministério da Manutenção dos Costumes e de diversas empresas que, desde o início, se associaram ao projecto, mostrando que a sociedade civil está empenhada na defesa da preservação dos valores do nosso povo e da nossa nação. Trata-se, como é sabido, do Projecto Acredita e Verás, que tem procurado reflectir sobre os problemas com que a nossa juventude está hoje confrontada e apresentar propostas, criar mecanismos, em suma, agir.
No mundo globalizado em que vivemos, não são poucos os cantos de sereia que atraem a nossa juventude e que exigem de nós uma resposta firme: o consumo de drogas, álcool, tabaco e chocolate, a banalização do sexo, a relativização dos valores, a laicização da vida, a preguiça, o desprezo pela história e os símbolos nacionais e muitos outros. São estes os problemas do nosso tempo. São também os nossos desafios e pretendemos encará-los de frente.
É por isso que, com uma imensa alegria, aqui apresentamos o novo Kit Vida Saudável, que, a partir de hoje, disponibilizará aos nossos jovens compatriotas um conjunto de úteis instrumentos que, estou seguro, contribuirão para infundir nas suas consciências os valores que contam. Integram o Kit Vida Saudável, entre outros, os seguintes objectos: um aparelho de TV portátil, um hamster, um livro de cheques, um uniforme militar, uma caixa de toalhetes perfumados, um boletim de voto, um terço, duas alianças de casamento, um hambúrguer, um carro de linhas, um despertador digital, uma testa para beijar, um saco com tampas de plástico, um CD com o hino nacional, uma cegonha, um polícia de bigode, um livro branco, um muro preto, uma agenda, uma mão para receber esmolas, uma caixa de pastilhas e um horário a cumprir. Os Kits estarão disponíveis em qualquer supermercado, a partir de amanhã.
Os nossos jovens são a promessa da pátria. Ganhemos hoje o presente, para termos futuro amanhã.
Muito obrigado.
31 agosto 2007
30 agosto 2007
27 agosto 2007
Desconstrução #8 Sangue, ainda amor
24 agosto 2007
Última hora #7 Presidente de multinacional cai em buraco sem fundo

22 agosto 2007
Sub-vida #7 Entrevista ao primeiro comprador mundial do mais recente espremedor de limões digital

Estes dois dias de espera à porta do hipermercado valeram a pena?
Sem dúvida. Desde que foi anunciado o lançamento do LEMON EXP DIGI 23, eu mal pude aguentar tanta ansiedade. O LEMON EXP DIGI 22 era muito bom, mas já não tinha pedalada… Para além disso, este é mais fácil de transportar e, assim, posso levá-lo para qualquer lado.
Como conseguiu aguentar aqui dois dias seguidos?
Quem corre por gosto não cansa… Tirei dois dias de férias e montei a minha tenda electrónica aqui à porta, para ser o primeiro.
Era assim tão importante para si ser o primeiro?
Como já disse, a ansiedade era muita. A minha vida começa hoje a fazer um novo sentido. Ser o primeiro dá-me a sensação de dever cumprido.
Por que razão comprou quatro equipamentos?
Um é para mim, outro é para os meus pais, outro é para oferecer à minha mulher e outro é para ficar de reserva, para o caso do primeiro se avariar.
Vai já hoje começar a utilizar o equipamento?
Assim que chegar a casa. Tenho que experimentar todas as funcionalidades, para poder tirar o máximo de proveito.
Como descreve o que sente neste momento?
Uma imensa alegria. Só me lembro de ter sentido algo semelhante quando nasceu o meu filho. Agora desculpe mas tenho que ir andando. Não vejo a hora de chegar a casa.
16 agosto 2007
Desconstrução #7 Ascensão e queda do império da alquimia

Hip. 1
Vladimiro pôs-se a jeito.
José pôs Vladimiro doente.
Niquitâncio pôs José de castigo.
Leonidas pôs Niquitâncio num asilo.
Miquelino pôs-se a milhas.
Hip. 2
A revolução levantou-se cedo e saiu para a rua. A hora de ponta fez-lhe confusão e ficou muito rabugenta. Pior ficou quando perdeu as botas ao final da manhã e teve que contentar-se com as alpercatas que trazia debaixo do braço. Almoçou bem, mas pouco. Comeu uns restos a meio da tarde, para enganar o estômago. Extenuada, sentou-se umas horas a descansar. Jantou numa pizzaria. Não chegou a regressar a casa.
Hip. 3
Para dar a volta ao mundo, a estrada de alcatrão nunca é um bom caminho. Por maior que seja, termina sempre num beco sem saída ou no imenso mar. O melhor é começar por aprender a nadar e desenhar um bom mapa de atalhos.
15 agosto 2007
Aforismo imoral #10
Sub-vida #6 Conversa entre um mestre-de-obras e um trabalhador imigrante clandestino
Mestre-de-obras – Então, procuras trabalho?
Trabalhador imigrante clandestino – Sim Sr.
M. O. – Há quanto tempo estás cá?
T. I. C. – Há 3 anos, mais ou menos.
M. O. – Tens papéis?
T. I. C. – Ainda não consegui.
M. O. – Óptimo. O que é que sabes fazer?
T. I. C. – No meu país era médico pediatra, mas como ainda não consegui legalizar-me, não…
M. O. – Certo, certo… e cá, o que é que já fizeste?
T. I. C. – Trabalhei sempre em obras, como servente de pedreiro.
M. O. – Muito bem. O trabalho que tenho para ti é numa obra numa cidade a
T. I. C. – Sim, Sr.
M. O. – Nesse caso, já sabes, amanhã tens que estar aqui às 4h30. Mais uma coisa, se, durante o período da obra, houver alguma acção de fiscalização em que te perguntem se tens papéis, ficas em silêncio como se não entendesses. Se nos perguntarem, dizemos que toda a papelada referente ao pessoal está nos escritórios da empresa na capital. Nesse momento, se não fores detido, deverás abandonar, imediatamente, a obra e ficas por tua conta. Entendido?
T. I. C. – Sim, Sr.
M. O. – Óptimo.
T. I. C. – Já agora, Sr., estou a tentar trazer a minha mulher e os meus 2 filhos para cá. Se eles chegarem, podem ficar comigo no alojamento da obra?
M. O. – Podem, mas, nesse caso, teremos que descontar mais dinheiro para o alojamento deles. Ok?
T. I. C. – Sim, Sr. Obrigado.
M. O. – Então, até amanhã.
T. I. C. – Até amanhã, Sr.
14 agosto 2007
Última hora #6 Revolta na manif

13 agosto 2007
10 agosto 2007
Desconstrução #6 Hipótese de guião para infinita-metragem

Uma enorme praça. A luz, ofuscando. O sol, crepitando. Um homem perscruta o vazio, felino. Começa a correr. Ao passar por trás de uma mulher velha, vetusta, decrépita, puxa-lhe, com assinalável destreza de movimentos, o cordão de ouro que ostenta ao pescoço. Com a força do puxão, a mulher velha, vetusta, decrépita, cai no chão, sangrando do pescoço e gritando roucamente. O homem continua a correr, até desaparecer.
Uma casa de banho baça, bolorenta. Uma mulher velha, vetusta, decrépita, enche a banheira de água. Quando a banheira se encontra cheia de água, despe-se. Olha-se no espelho, como que à procura de memórias distantes. Entra na banheira cheia de água, com um canivete na mão direita. Senta-se e recosta-se até ficar apenas com a cabeça fora da água. Corta calmamente os pulsos, primeiro o esquerdo, depois o direito. Fecha os olhos. A água ruboriza em poucos instantes.
Um quarto mudo de claridade. Um homem e uma mulher, no chão do quarto, fodem como animais enlouquecidos. Ela, de gatas, face esquerda encostada ao soalho pela mão esquerda dele que lhe pressiona a cabeça, gritando descompassadamente. Ele, por trás, metralhando furiosamente, enquanto lhe pressiona a cabeça contra o soalho com a mão esquerda e lhe bate estrepitosamente, a espaços irregulares, nas nádegas, com a mão direita. Enquanto se vem dentro dela, ele curva-se para a frente e morde-lhe com fragor o lóbulo da orelha direita. Ela grita enquanto sangra da orelha mordida. Ele deixa-se cair para o lado esquerdo, extenuado.
Um corredor estreito, implacável. Quase vazio. Escuro. O único objecto visível é uma cadeira de baloiço colocada no centro do corredor. Convictamente imóvel. Algumas gotas de sangue começam a cair do tecto sobre o assento da cadeira de baloiço. A cadeira de baloiço começa a baloiçar.